O Portal Alenquer traz à luz um episódio marcante e pouco difundido da história local: a venda, em praça pública, de um menino negro de apenas oito anos de idade — Benedicto — em 1865.

O caso, registrado em documentos oficiais do século XIX, revela como a escravidão fez parte da estrutura social, política e religiosa de Alenquer durante o período imperial, incluindo a participação direta de instituições e autoridades públicas.

A reconstrução histórica: o trabalho de Bernadete de Lourdes Martins Arouche

Todas as informações apresentadas nesta reportagem foram extraídas e analisadas a partir do Trabalho de Conclusão de Curso da professora Bernadete de Lourdes Martins Arouche, concluído em 1996.
Seu estudo reúne documentos, transcrições de ofícios, editais e registros administrativos que comprovam o episódio envolvendo o menino Benedicto.

O trabalho da professora Bernadete é uma das fontes mais importantes para compreender a escravidão na região do Baixo Amazonas, especialmente em Alenquer. Seu esforço acadêmico preserva fatos que, de outra forma, ficariam esquecidos nos arquivos.

O caso de Benedicto: o menino “dado como esmola” à igreja

Segundo os registros analisados pela professora, Benedicto foi entregue como “esmola” por um devoto à Capela de Santo Antônio, em Alenquer.
O administrador da confraria, Francisco Rodrigues Lobo Bentes, então solicitou autorização ao governo para vender a criança e aplicar o dinheiro nas obras da igreja.

Um trecho do pedido oficial afirma:

“... um moleque de nome Benedicto, de 8 anos de idade… peço licença para vender e aplicar o produto para as obras da igreja...”

A resposta governamental, transcrita no TCC, foi direta e autorizativa:

“... tenho a dizer-lhes que podem vender.”

Avaliação e leilão público

O menino foi avaliado em 200 mil réis e incluído em edital para leilão público em diferentes datas entre setembro e outubro de 1865.
O documento oficial anunciava:

“Faz saber que será levado em praça o escravo Benedicto… avaliado em 200$000…”

A pesquisa da professora Bernadete demonstra uma realidade sobre pessoas escravizadas que eram frequentemente negociadas na região — vendidas, doadas ou usadas como forma de pagamento, inclusive por instituições religiosas.

Por que essa história importa

A trajetória de Benedicto não é apenas um registro histórico: é um chamado à memória.
Conhecer essa história é fundamental para entender as raízes do racismo estrutural, da desigualdade e das marcas profundas deixadas pela escravidão no município.

Memória, identidade e responsabilidade

Ao recuperar o caso de Benedicto, honramos não apenas sua memória, mas a de tantas crianças, homens e mulheres afrodescendentes que sofreram violência e apagamento.

Agradecemos ao trabalho da professora Bernadete de Lourdes Martins Arouche, cuja pesquisa de 1996 torna possível resgatar essas vozes silenciadas pelo tempo.